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O PAPEL DA ASSESSORIA JURÍDICA E DO CONTROLE INTERNO NO NOVO REGIME DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA DURANTE A FASE DE EXECUÇÃO CONTRATUAL

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  • O PAPEL DA ASSESSORIA JURÍDICA E DO CONTROLE INTERNO NO NOVO REGIME DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA DURANTE A FASE DE EXECUÇÃO CONTRATUAL
Opiniao do especialista O PAPEL DA ASSESSORIA JURIDICA E DO CONTROLE INTERNO

Anastácia Melo1
Natally Vasconcelos de Mendonça2

Palavras-chave: Execução Contratual. Assessoria Jurídica. Controle Interno. Nova Lei de Licitações e Contratos. Auxílio. Tomada de Decisão.

 

1 BREVE CONTEXTO HISTÓRICO

 Após longos vinte e oito anos de vigência da Lei nº 8.666/93 disciplinando, de forma geral e nacional, as contratações públicas no país, o legislador federal editou a Lei nº 14.133/2021 e o fez de modo a romper, ainda que não completamente, a postura burocrata, engessada e, por muitas vezes, desconfiada do regime inaugurado pela Lei Geral de 19933.

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1
Formada em Administração Pública – Universidade Estadual da Paraíba. Especialista na Lei 14.133/21. Pregoeira concursada do município de Cajazeiras desde o ano de 2017. Atua em processos licitatórios e contratos públicos desde 2009. Possui experiência em processos administrativos perante o Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Larga vivência em sala de aula junto aos municípios da Paraíba, tratando sobre o tema de Licitações e Contratos. Atua na Rede Governança Brasil (Comitê Municípios). Professora da Escola de Serviço Público do Estado da Paraíba – ESPEP. Atualmente cedida à CGSEC/CENTRAL/SEGES – Ministério da Economia.

2 Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes/SE. Especialista em Direito do Estado pela Faculdade Social da Bahia. Especialista em Licitações e Contratos pela Faculdade CERS. Advogada licenciada (OAB/SE). Ex-servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT. Ex-servidora da Procuradoria Geral do Estado de Sergipe – PGE/SE. Servidora de carreira do Tribunal de Justiça de Sergipe – TJSE cedida à Secretaria de Estado da Saúde de Sergipe, onde já atuou como Assessora Jurídica, Coordenadora de Contratos Administrativos e Hospitalares, estando, desde 2020, ocupando o cargo de Coordenadora do Consultivo Jurídico-administrativo na Diretoria Jurídica do órgão. Foi membro do Subcomitê de Execução Contratual, o qual integra o Comitê de Governança das Contratações Públicas da Rede Governança Brasil – RGB. Parceira da Escola da Licitação (SE). Autora do artigo “A retomada da essência da assessoria jurídica na Nova Lei de Licitações: Ampliação do seu papel para defesa de agentes públicos como incentivo à atuação proativa e eficiente dos tomadores de decisão.”, publicado no site do prof. Ronny Charles Lopes de Torres e aprovado na revista do INCP. Co-autora do Material Complementar elaborado para os alunos das turmas do Curso Premium em parceria com Ronny Charles Lopes de Torres e Davidson Lopes (Grupo Centrum – PB).

3 MENDONÇA, Natally Vasconcelos de. A retomada da essência da Assessoria Jurídica na Nova Lei de Licitações: a ampliação do seu papel para defesa de agentes públicos como incentivo à atuação proativa e eficiente dos tomadores de decisão. Disponivel em

<https://ronnycharles.com.br/a-retomada-da-essencia-da-assessoria-juridica-na-nova-lei-de-licitacoes- ampliacao-do-seu-papel-para-defesa-de-agentes-publicos-como-incentivo-a-atuacao-proativa-e-eficie nte-dos-tomadores-de-decisao/.> Acesso em 16/07/2022.

Isso não quer dizer que o novo regime livrou-se por completo das amarras da burocracia e da desconfiança, mas é certo que sua natureza se revela, em que pese analítica, muito mais flexível que a maximalista Lei nº 8.666/93. Flexível porque confere maior margem de discricionariedade ao gestor público na condução do processo de contratação pública e analítica porque detalha procedimentos antes descritos em atos infralegais, aspecto negativo que pode levar ao engessamento dessas regras, haja vista a maior dificuldade na alteração de uma lei se compararmos a um decreto, a uma portaria, a uma instrução normativa.

E o que seria uma norma maximalista? Podemos conceituar uma norma maximalista como aquela que retira ao máximo o poder de escolha do gestor, ou seja, a sua discricionariedade. Assim era a Lei nº 8.666/93. Uma lei editada em meio à escândalos de corrupção, a um impeachment presidencial e a um Congresso Nacional que, na qualidade de representante do povo (Câmara dos Deputados) e do Estado (Senado Federal),   via na norma escrita, ou ao menos tentava acreditar nisso, uma forma de solução para todos os problemas de desvios. Apenas esqueceram que a cultura da corrupção não muda com regras postas, mas com a maturidade e postura tanto dos que fazem a Administração Pública quanto de toda a sociedade.

É cediço que os mecanismos de controle contidos na lei são necessários, claro, mas o seu uso de maneira exacerbada, com o sufocamento encegueirado do agente público, e o afastamento do mercado só conduzem os atores da contratação a atitude reativas, protecionistas, arraigadas de medo que não geram eficiência, ao contrário, além de não inibir os maus agentes, sejam eles públicos ou privados, ainda promovem a seleção adversa de fornecedores e dos próprios agentes públicos. Os bons e responsáveis não arriscam ser responsabilizados, enquanto os menos responsáveis continuam se beneficiando de um modelo ineficiente de contratação pública.

O fato é que a NLLC (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) nasceu com o espírito mais aberto ao diálogo com o mercado, à prática de atos mais arrojados, ao incentivo à adoção de uma postura proativa por parte de todos os atores do processo de contratação pública, com vistas à busca de reais resultados e não apenas de cumprimento de regras desconectadas do objetivo principal, qual seja: o atendimento do interesse público. A ação será, portanto, conjunta e colaborativa.

Pronto. Mudou a lei, foram previstos incentivos, viramos a chave! Definitivamente, não!

Não se pode afirmar categoricamente que essa mudança de paradigma trazido pela NLLC, que muito reflete o regime contido na Lei do Pregão (Lei nº 10520/2002), Lei do RDC (Lei nº 12462/2011) e Lei das Estatais (Lei nº 13303/2016), ocorrerá como

um giro de chave. Mais uma vez, não! Os órgãos de controle terão de entender que será necessário um período de experimentação durante a vigência exclusiva da NLLC, pois muito embora a lei tenha convivido de forma simultânea com o regime geral anterior, muitos foram os obstáculos para a sua real e efetiva implementação, especialmente nos municípios, onde a realidade diverge e muito do cenário nacional.

A NLLC é, ao nosso sentir, sem dúvidas, mais interessante, mais completa, mais racional, mas também mais complexa para aqueles entes e órgãos que não possuem estrutura física, orçamentária e de pessoal. Será preciso um esforço conjunto para que a mudança seja construída a diversas mãos, sempre de acordo com a realidade posta. (princípio do primado da realidade – art. 22 e §§ 1º a 3º da LINDB – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro4).

Aliás, por falar em realidade, trataremos num artigo posterior, ainda que de forma direta e sucinta, a importância do conhecimento das regras contidas na LINDB5, um normativo importantíssimo e que servidores e gestores públicos devem conhecer obrigatoriamente, pois nele há um arcabouço de orientações e de defesa dos agentes públicos que atuam com responsabilidade e que, com coragem, buscam o correto e belo sentido da norma: o real atendimento ao interesse público.

Assim, voltando ao tema em específico, e sob a perspectiva de incentivo à inovação e a atuação verdadeiramente eficiente trazida pela Lei nº 14.133/2021, a assessoria jurídica passa a ter uma grande influência, influência esta, aliás, que muito embora tenha matriz constitucional, ficou relegada a segundo plano no antigo regime licitatório.

 

2 A ASSESSORIA JURÍDICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, NA LEI Nº 8.666/93 E A MUDANÇA DE PARADIGMA DA LEI Nº 14.133/2021

 Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 conferiu ao órgão jurídico, notadamente à Advocacia Pública, os papéis de representação judicial e

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4 Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. (Regulamento)

  • 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
  • 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)
  • 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato. (Incluído pela Lei nº 13.655, de 2018)

5 Arts. 20 a 28 do DECRETO-LEI Nº 4.657, DE 4 DE SETEMBRO DE 1942 – Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, com redação dada pela Lei nº 13.655/2018.

extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico (arts. 1316 e 1327), o que a doutrina denomina de funções típicas.

Ocorre que a Lei nº 8.666/93, ao tratar do papel da assessoria jurídica no processo de contratação pública, delimitou sua atuação apenas e tão somente à análise e aprovação prévia de minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios ou ajustes. Assim está disposto no parágrafo único do art. 38, in verbis:

Art. 38. (…)

Parágrafo único. As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Da leitura do referido dispositivo, infere-se que à assessoria jurídica foi entregue, não o que estava delimitado na Constituição Federal, mas uma nova função, esta, no entanto, considerada atípica, qual seja: o controle do processo de contratação pública.

O seu papel é, na Lei nº 8.666/93, portanto, de análise de conformidade dos atos procedimentais à lei, ou seja, uma atividade de controle eminentemente mecânica e burocrática8.

Poder-se-ia argumentar que muito embora o texto infraconstitucional não tenha mencionado as funções típicas de representação judicial e extrajudicial, consultoria e assessoramento jurídico, elas não desapareceram, ou seja, ainda caberia ao órgão de assessoramento jurídico agir de acordo com a sua natureza. Sim, concordamos com essa argumentação. Contudo, no dia a dia da Administração, o que se percebeu foi o esvaziamento dessas funções típicas, em virtude da necessidade de exercício da nova função de controle, a qual, mesmo não sendo de competência do órgão de assessoramento jurídico, foi para ele deslocada por disposição expressa da Lei nº 8.666/93.

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6 Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. (grifo nosso)

7 Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998). (grifo nosso)

8 MENDONÇA, Natally Vasconcelos de. A retomada da essência da Assessoria Jurídica na Nova Lei de Licitações: a ampliação do seu papel para defesa de agentes públicos como incentivo à atuação proativa e eficiente dos tomadores de decisão. Disponivel em

<https://ronnycharles.com.br/a-retomada-da-essencia-da-assessoria-juridica-na-nova-lei-de-licitacoes- ampliacao-do-seu-papel-para-defesa-de-agentes-publicos-como-incentivo-a-atuacao-proativa-e-eficie nte-dos-tomadores-de-decisao/.> Acesso em 16/07/2022.

Com a edição da NLLC, esta função atípica de controle foi não apenas mantida em relação às minutas de editais, contratos, convênios, ajustes e acordos, mas ampliada para a análise jurídica de todo o processo, o que a Lei nº 14.133/2021 denominou de controle prévio de legalidade (art. 53, caput9).

Agora, sob a égide da Lei nº 14.133/2021, não caberá à assessoria jurídica limitar-se à análise de conformidade das minutas, devendo, numa tarefa muito mais criteriosa, realizar uma análise jurídica de toda a contratação sob o prisma, por óbvio, jurídico.

Sobre o assunto, nos ensina Joel de Menezes Niebuhr10 que “conquanto a linha, muitas vezes, seja tênue, a assessoria jurídica não deve se intrometer em aspectos técnicos, porém tratar das exigências legais que circundam e limitam os aspectos técnicos.”

 No mesmo sentido, vale transcrever a ressalva muito bem explicada por Anderson Pedra e Ronny Charles Lopes de Torres11, a ver:

[…] embora tenha o parecerista jurídico a incumbência de realizar o controle prévio da legalidade e análise jurídica da contratação, não lhe cabe substituir a decisão do setor técnico, em relação, por exemplo, à solução escolhida do mercado ou mesmo à decisão político-administrativa do gestor público, autoridade competente que, diante das nuances envolvidas no caso concreto, opta por um determinado modelo de contratação admitido pela legislação. A aferição da conveniência e oportunidade pertence à autoridade competente pela tomada de decisão, não ao órgão de assessoramento jurídico ou mesmo aos órgãos de controle. (grifo nosso).

Até aqui tudo bem. Já entendemos que a assessoria jurídica manteve o exercício de sua função atípica de controle, tendo sido, em verdade, e como visto em linhas anteriores, ampliado. Mas o que a NLLC trouxe de disciplinamento em relação às funções típicas de representação judicial e extrajudicial, de consultoria e de assessoramento? Há novidades que merecem destaque e relevância no dia a dia dos atores do macroprocesso de contratação pública?

Percebam que a todo instante nos referimos à expressão contratação pública, em virtude de o processo não se limitar à licitação, ao contrário, a licitação é apenas o meio para que se formalize a contratação, podendo esta ocorrer, inclusive, sem

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9 Art. 53. Ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoramento jurídico da Administração, que realizará controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. (grifo nosso)

10 NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 571

11  PEDRA,  Anderson  Sant  ́ana;  TORRES,  Ronny  Charles  de.  O  papel  da  assessoria  jurídica  na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. In: BELÉM, Bruno; CARVALHO, Matheus; TORRES, Ronny Charles L. de (Coord.). Temas controversos na nova Lei de Licitações. Salvador: JusPodivm, 2021, p. 306.

licitação, por meio dos processos de contratação direta por dispensa ou inexigibilidade (processo de seleção otimizado).

Pois bem. Para responder aos questionamentos lançados, comentaremos cada um dos artigos que fazem menção à assessoria jurídica e que guardam relação direta com a execução contratual e a sua consequente fiscalização e gestão (art. 8º, § 3º e art. 117, § 3º).

 

2.1 Apoio para o desempenho das funções essenciais à execução da lei (art. 8º, § 3º):

 A NLLC, de forma diametralmente oposta à Lei nº 8.666/93, trouxe o órgão de assessoramento jurídico para perto tanto do gestor público quanto do servidor que atua diretamente nos processos relativos às licitações e contratos.

Essa é a diretriz extraída do § 3º do art. 8º, a ver:

Art. 8º. (…)

              • As regras relativas à atuação do agente de contratação e da equipe de apoio, ao funcionamento da comissão de contratação e à atuação de fiscais e gestores de contratos de que trata esta Lei serão estabelecidas em regulamento, e deverá ser prevista a possibilidade de eles contarem com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para o desempenho das funções essenciais à execução do disposto nesta Lei. (grifo nosso)

Sabemos que muitos dos que atuam com processos de contratação não recebem da alta administração a qualificação necessária para o bom desempenho de suas funções, seja por questões de ordem orçamentária, seja por questões de desincentivo à profissionalização para que não sejam os interesses contrariados. Isso é um fato!

Numa situação ou noutra, o problema prático sempre aparecerá e o servidor, enquanto agente do estado, não pode ficar à mercê da ignorância, da falta de preparo ou de eventuais pressões políticas de quaisquer ordens.

E foi justamente com esta preocupação que o legislador federal estabeleceu que, em regulamento próprio12, deverá ser estabelecida a possibilidade de os agentes de contratação e sua equipe de apoio, da comissão de contratação, além dos fiscais e gestores de contrato receberem o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, a fim de que bem desempenhem as funções que lhe são inerentes e que são essenciais à fiel execução da Lei nº 14.133/2021.

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12 Considerando estarmos diante de uma regra materialmente específica, cada ente federado, órgão ou entidade pública poderá editar seu próprio regulamento.

Percebam que não se está a tratar de uma possibilidade, mas sim de um dever de o órgão de assessoramento jurídico e de controle interno, caso assim o agente público necessite. A possibilidade está, portanto, para o agente solicitar o apoio e não para a decisão da assessoria jurídica ou do controle interno se auxiliará o agente público ou não.

É importante destacar que, no exercício de sua função de consultoria e assessoramento, muito embora não decida diretamente, a assessoria jurídica:

(…) exerce um papel deveras importante e crucial na atuação do gestor e demais agentes públicos tomadores de decisão administrativa, pois ao empregar sua expertise, a qual deve ir muito além da ultrapassada verificação da legalidade estrita, consagrando no caso concreto o princípio da juridicidade, ou seja, necessária verificação com base no Direito como um todo e não apenas no texto literal da lei formal, o órgão de assessoramento jurídico assume um papel ativo no macroprocesso de contratação pública ao auxiliar verdadeiramente os agentes públicos na efetiva solução dos problemas e na consequente entrega à sociedade do bem ou serviço materializador do interesse público primário13.

A NLLC, ao retirar o véu da desconfiança no servidor público, entendeu a angústia dos agentes que atuam e que precisam decidir, angústia esta vivida por fiscais e gestores de contratos que se veem em situações difíceis, seja em relação à matéria, aos entraves para bem executar suas funções perante a empresa ou até perante os gestores máximos do órgão, seja em relação à ausência de qualificação técnica ou ao elevado número de demanda.

A solução para minimizar essa angústia foi, então, trazer o órgão de assessoramento jurídico para perto das peças primordiais do processo, os agentes públicos, pois sem eles não há que se falar em processo, não há que se falar em entrega à sociedade.

Dentro desse contexto, cabe uma constatação: por vezes presenciamos a realidade tentando se curvar à lei e o resultado dessa batalha nem sempre é positivo. É preciso que o legislador compreenda a realidade e que municie os agentes com mecanismos e ferramentas capazes de conferir fiel execução à lei e a todo arcabouço normativo, pois, do contrário, se a lei ignorar a realidade, a realidade certamente ignorará a lei14, esvaziando os propósitos e objetivos da contratação pública.

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13 MENDONÇA, Natally Vasconcelos de. A retomada da essência da Assessoria Jurídica na Nova Lei de Licitações: a ampliação do seu papel para defesa de agentes públicos como incentivo à atuação proativa e eficiente dos tomadores de decisão. Disponivel em

<https://ronnycharles.com.br/a-retomada-da-essencia-da-assessoria-juridica-na-nova-lei-de-licitacoes- ampliacao-do-seu-papel-para-defesa-de-agentes-publicos-como-incentivo-a-atuacao-proativa-e-eficie nte-dos-tomadores-de-decisao/.> Acesso em 24/11/2022.

14 “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito” – Georges Ripert.

Convém alertamos, ainda em relação ao disposto no § 3º do art. 8º da Lei nº 14.133/2021, que a atuação dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno não se limitam apenas ao apoio aos agentes públicos, mas também à fiscalização de seus atos, o que a NLLC denominou de linha de defesa, consoante se infere do disposto no art. 169 a ver:

Art. 169. As contratações públicas deverão submeter-se a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, inclusive mediante adoção de recursos de tecnologia da informação, e, além de estar subordinadas ao controle social, sujeitar-se-ão às seguintes linhas de defesa:

              • – primeira linha de defesa, integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade;
              • – segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade;
              • – terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de

O órgão de assessoramento jurídico e o controle interno, dentro do controle dos atos administrativos praticados no processo de contratação pública, estão classificados como segunda linha de defesa.

A partir desta observação, questiona-se: o que é linha de defesa?

De forma sucinta, e a partir do texto legal, extrai-se que linha de defesa, melhor denominada pela doutrina como linhas, nada mais é que a contínua e permanente prática de gestão de riscos e controle preventivo das contratações que, aqui neste texto, é realizada pela assessoria jurídica e pelo órgão de controle interno da própria Administração.

E o que faz a assessoria jurídica e o controle interno?

Para esta pergunta, indicamos as funções de cada um a partir da leitura do texto legal e da doutrina mais abalizada1516, a ver:

a) Assessoria Jurídica:
  • Atuação relativa à questões jurídicas que possam afetar os interesses coletivos ou individuais dos participantes da licitação17;

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15 TORRES, Ronny Charles Lopes de. Lei de Licitações Públicas Comentadas. 13 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.

16 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

17 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 222.

  • Atuação direta nas questões e dificuldades eminentemente jurídicas dos agentes e gestores públicos nos processos (avaliação micro);
  • Análise jurídica;
  • Função de aconselhamento, apoio na construção de soluções

 

b) Controle interno do órgão:

 Avaliação da regularidade formal e material das ações e omissões do órgão de contratação. Destina-se a identificar defeitos e insuficiências, inclusive visando prevenir providências mais severas dos órgãos de controle externo18;

  • Avaliação macro do processo (diversas áreas do conhecimento e não apenas a jurídica), sob o prisma dos riscos de responsabilização exógena;
  • Análise técnica e jurídica;
  • Função fiscalizatória. Pode emanar recomendações ou punição.

 

Conclui-se, portanto, que ao órgão de assessoramento jurídico, nas questões jurídicas, e ao controle interno, nas questões jurídicas e técnicas (diversas áreas do conhecimento), caberá:

a) auxiliar os agentes públicos no exercício de suas funções essenciais, com vistas à eficiência da contratação; e

b) fiscalizar os atos praticados, atuando na promoção de contínua e permanente prática de gestão de riscos e controle preventivo das contratações.

 

2.2 Auxílio aos fiscais e gestores de contratos (art. 117, § 3º):

 A execução dos contratos e os seus reflexos estão descritos no Capítulo VI do Título III dedicado aos contratos administrativos, mais especificamente entre os arts. 115 e 123.

Sobre o auxílio direto aos agentes que atuam na fase de fiscalização e gestão de contratos, é imperioso trazer à análise a dicção do § 3º do art. 117, o qual traz uma importante regra, qual seja: o auxílio da assessoria jurídica e do controle interno da Administração para resolução de dúvidas, além da oferta de subsídios e informações relevantes para prevenção de riscos durante a execução do contrato.

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18 Idem.

Art. 117. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.

(…)

              • 3º O fiscal do contrato será auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual.

Vê-se, sem dificuldade, que o auxílio de que trata o § 3º do art. 117, para além do disposto no § 3º do art. 8º, está direcionado de forma estrita e específica à fase de execução contratual quando fiscais e gestores de contrato normalmente se deparam com situações que nem sempre são facilmente solucionadas apenas com a leitura direta e fria da letra da lei.

Percebam que enquanto o § 3º do art. 8º indica, de forma ampla, lato sensu, a obrigação da assessoria jurídica e do controle interno auxiliar os agentes públicos que atuam no processo de contratação pública no exercício de suas funções essenciais, o art. 117, § 3º faz menção a uma ajuda concreta, estrita, específica no sentido literal da palavra auxilio, ou seja, indica a necessidade do enfrentamento de questões concretas que são postas em discussão (dirimir dúvidas) e da entrega de subsídios e informações de ordem técnica e/ou jurídica que permitam aos atores do processo evitar riscos e, como consequência, responsabilizações.

Convém destacar que o papel da assessoria jurídica é, e nunca deixou de ser, o de verdadeiramente auxiliar o gestor e os demais agentes públicos a tomar decisões (matriz constitucional). Ela não decide, de forma alguma, mas influencia a decisão, na medida em que emprega a sua expertise jurídica na avaliação do processo como todo, quando do controle prévio de legalidade, e na análise de questões concretas e específicas ocorridas durante a seleção do fornecedor e no decorrer, também, da execução do contrato.

E o controle interno? Sendo a atuação do controle interno mais ampla que da assessoria jurídica, exatamente porque ele acaba por verificar questões não apenas legais, mas também de ordem técnica a respeito de outras áreas do conhecimento, o que não se confunde com decisão técnica da área demandante nem do gestor do órgão no que tange especificamente ao mérito administrativo, não só pode, como deve o fiscal e o gestor do contrato utilizar a prerrogativa das consultas, tanto ao órgão jurídico quanto ao controle interno, com vistas a diminuir drasticamente ou até mesmo zerar a possibilidade de um equívoco na condução do processo que possa causar lesão ao erário, prejuízo à sociedade e/ou sua própria responsabilização perante os órgãos de controle.

Registre-se que poderá o fiscal e o gestor, ainda, nas palavras de Marçal Justen Filho19, “recorrer aos préstimos de outros setores administrativos que disponham de informação e conhecimento indispensáveis à verificação da satisfatoriedade da prestação.”

 Infere-se do texto legal, portanto, que o legislador se preocupou em tornar o processo de contratação pública num grande trabalho colaborativo entre agentes públicos (todos os setores conversando) e entre estes e o mercado privado como uma grande engrenagem.

Nossa racionalidade, tomando aqui emprestada a expressão comumente utilizada pelo querido prof. Ronny Charles, é limitada, ou seja, não sabemos de tudo e de todos os assuntos. A da Administração também é, e cada agente público, representante do ente contratante na condução de processos, precisa entender essa limitação e buscar apoio, auxílio técnico e jurídico de quem tem competência para tal, sempre objetivando atender ao interesse público de forma real e eficiente.

Em resumo, a assessoria jurídica, que na Lei nº 8.666/93 deu maior ênfase, em muitas realidades organizacionais, à atuação atípica de controle das minutas, muito embora possuísse os mesmos papéis atribuídos pelo texto constitucional (funções típicas de representação, consultoria e assessoramento), teve, com a edição da Lei nº 14.133/2021 a ampliação de sua função atípica de controle (análise jurídica da contratação e não apenas das minutas), a menção da necessidade de um efetivo exercício de suas funções típicas e a inclusão de mais uma função, qual seja: a de auxiliar na elaboração de minutas e documentos padrão, tudo com o objetivo de auxiliar verdadeiramente os agentes e gestores públicos na tomada de suas decisões nos processos de contratação pública.

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19 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei nº 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, p. 1332.

papel da assessoria juridica na lei n 14133 2021

3 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações

Administrativas: Lei nº 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

MENDONÇA, Natally Vasconcelos de. A retomada da essência da Assessoria Jurídica na Nova Lei de Licitações: a ampliação do seu papel para defesa de agentes públicos como incentivo à atuação proativa e eficiente dos tomadores de decisão. Disponivel em:

https://ronnycharles.com.br/a-retomada-da-essencia-da-assessoria-juridica-na-nova-l ei-de-licitacoes-ampliacao-do-seu-papel-para-defesa-de-agentes-publicos-como-ince ntivo-a-atuacao-proativa-e-eficiente-dos-tomadores-de-decisao/. 2022.

NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022.

PEDRA, Anderson Sant ́ana; TORRES, Ronny Charles de. O papel da assessoria jurídica na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. In: BELÉM,

Bruno; CARVALHO, Matheus; TORRES, Ronny Charles L. de (Coord.). Temas controversos na nova Lei de Licitações. Salvador: JusPodivm, 2021.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Lei de Licitações Públicas Comentadas. 13 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.

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